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Aprovada a Lei Federal que suspende despejos
Vitória da Campanha Despejo Zero! Saiba como a Lei Federal, a ADPF e leis ou decretos locais se complementam na proteção das famílias em situação de vulnerabilidade
A Lei nº 14.216/2021, que durante sua tramitação ficou conhecida como PL dos Despejos (PL 827/2020), foi promulgada em 08 de outubro de 2021, após a derrubada, pelo Congresso Federal, do veto integral do Presidente Jair Bolsonaro ao texto da lei. De autoria do deputado federal André Janones (AVANTE), em coautoria com as deputadas federais Natália Bonavides (PT) e Professora Rosa Neide (PT), a aprovação da Lei nº 14.216/2021 é uma vitória da Campanha Despejo Zero! A Campanha tem defendido, desde sua criação, a aprovação do projeto de lei, por entender que a moradia é medida essencial para minimizar os impactos mais duros das crises social e sanitária, que atingem com mais força a população de baixa renda.
A suspensão dos despejos é medida que busca proteger a vida dos moradores ocupantes, mas também dos servidores públicos, como os oficiais de justiça e os policiais, assim como de todas as pessoas envolvidas nas operações de remoção e toda coletividade, que se beneficia com a interrupção dos fluxos e com a salvaguarda dos mais vulnerabilizados. Durante a pandemia, a discussão dos despejos forçados ganhou ainda mais relevância no enfrentamento à Covid-19, uma vez que “ficar em casa” foi uma das principais recomendações de saúde das autoridades sanitárias. Mas que casa? Conforme tem denunciado os movimentos sociais e as entidades envolvidas na Despejo Zero, as remoções aumentaram mais de 310% desde março de 2020 e o número de desempregados e o preço dos aluguéis aumentaram em níveis alarmantes – para não falar do preço da luz, dos alimentos, da gasolina e do gás de cozinha. Para piorar, já não há mais qualquer política governamental voltada à questão da moradia para acolhimento das famílias mais vulneráveis: programas anteriores direcionados para as faixas de renda mais baixa foram desidratados ou destruídos, e nenhuma medida emergencial, provisória ou estrutural foi lançada durante a pandemia.
Neste cenário, o impacto das decisões judiciais e ou administrativas envolvendo despejos está no nível da garantia da vida e, por essa razão, a nova legislação, assim como precedentes do STF e outras normativas regionais e locais adotaram a determinação que as medidas de remoção sejam suspensas e, após esse período, antecedidas por avaliação criteriosa, necessidade de cautela e com o cumprimento de condicionantes. Esse marco normativo dá cumprimento aos parâmetros internacionais e nacionais de proteção dos direitos humanos que mesmo antes da pandemia e agora, com especial reforço, determina que a lógica é a proteção da vida e a proteção dos mais vulnerabilizados, sendo as decisões de despejos a última medida a ser adotada nos casos.
A nova Lei Federal teve seu projeto protocolado na Câmara em abril de 2020 e, mesmo tramitando em caráter emergencial, levou mais de um ano e meio para virar lei. Num contexto adverso no Congresso e no Executivo, isso só foi possível graças à forte mobilização popular e a articulação de mandatos do campo progressista. A Campanha Despejo Zero contribuiu na incidência, colaborando na divulgação e na articulação do envio de meio milhão de emails para representantes do Legislativo, para que o Congresso derrubasse o veto imposto pelo presidente Jair Bolsonaro.
Em junho do ano passado, o Congresso Nacional já havia conseguido superar outro veto presidencial similar, tendo mantido o texto da Lei do Regime Emergencial Transitório das Relações de Direito Privado (Lei 14.010/2020), que tratava da suspensão dos despejos por aluguel. A medida, embora importante, teve um alcance muito limitado - um exemplo é que não tratou das remoções de pessoas que moram em áreas de ocupação coletiva. Além disso, teve curta duração, se encerrando em outubro de 2020.
Em junho de 2021, o Min. Barroso, do Supremo Tribunal Federal, acolheu pedido formulado na ADPF 828 e suspendeu, em sede de decisão cautelar, até 03/12/2021, a realização de remoções coletivas de áreas já existentes no início da pandemia, bem como determinou a necessidade de fornecimento de alternativa de moradia às ocupações mais recentes, Além disso, suspendeu o despejo liminar sumário nos casos de aluguel residencial por famílias vulneráveis.
A nova Lei Federal e a ADPF se complementam (confira os quadros comparativos disponíveis abaixo). A ADPF se destaca pela resposta ágil frente à situação de absoluta emergência, uma vez que o Congresso tardou na aprovação do PL dos Despejos, diminuindo em boa parte a vida útil da lei (a suspensão vale até 31-12-21). Assim, a manutenção da cautelar da ADPF segue como pauta estratégica da Campanha, ante o cenário de vulnerabilidade social que se agrava a cada dia. Ademais, o Ministro Barroso, reconhecendo o estado de necessidade e vulnerabilidade das famílias, afirmou a obrigação do Estado em garantir moradia digna, ainda que em outro local, às famílias que tiveram que buscar abrigo em ocupações surgidas durante a pandemia. Por fim, também reconheceu a necessidade de amparo devido à população brasileira tanto em áreas urbanas quanto rurais.
A Lei nº 14.216/2021, por sua vez, traz como avanço extremamente importante um marco temporal protetivo mais extenso, pois protege ocupações surgidas até 31.03.2021, reconhecendo que são um reflexo da crise econômica e social e que a resposta estatal não pode ser o despejo. Além disso, estende o prazo de suspensão até 31.12.2021. A normativa traz, ainda, parâmetros interessantes para se pensar o cenário em que a diminuição da crise sanitária convive com o agravamento da crise social e econômica. O avanço da vacinação no país tende a diminuir o número de mortos e de doentes em vista da pandemia, contudo, a crise social se agrava a olhos nus, com o aumento da fome e com o acelerado empobrecimento da população.
A Lei reconhece que esses efeitos irão perdurar no tempo e por isso reforça a imperiosa necessidade de se buscar soluções para os conflitos fundiários fundadas na mediação entre as partes e os órgãos públicos e do sistema de justiça, como Defensoria Pública e Ministério Público. Além disso, a norma determina a necessidade de inspeções judiciais, reconhecendo que somente com conhecimento da realidade concreta das famílias em situação de vulnerabilidade da posse é que se pode construir soluções definitivas.
Vale lembrar, ainda, que continuam valendo outras medidas administrativas, judiciais ou legislativas mais protetivas das famílias.
Lei nº 14.216/2021: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.216-de-7-de-outubro-de-2021-351591984
Decisão Cautelar ADPF 828: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF828liminar.pdf
Campanha Nacional pelo Despejo Zero © 23/07/2020